A nova regra de tributação brasileira, sancionada recentemente, introduziu mudanças significativas na cobrança de impostos sobre o consumo. Essas alterações podem afetar diretamente setores que já operam com margens de lucro reduzidas, como o de serviços e, apesar de só começar a ser implementada em 2026, já causa preocupação entre os contribuintes e pequenos e médios empresários.

Após mais de três décadas de discussão, a reforma tributária foi aprovada pelo Congresso e sancionada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Por um lado, a nova legislação foi considerada um marco histórico e uma vitória desse governo, por outro, incomodou setores da economia que se depararam com um aumento de tributos. Apesar de simplificar a forma como os impostos são cobrados no país, a Lei Complementar 214/25 criou o Imposto sobre Valor Agregado (IVA), que vai unificar a tributação sobre o consumo.

Com o IVA, o Imposto sobre Serviços (ISS) e o Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS), velhos conhecidos dos brasileiros, foram substituídos pelo Imposto sobre Bens e Serviços (IBS). Embora esse modelo se alinhe ao padrão adotado em economias mais desenvolvidas, a alíquota-padrão estimada pelo governo é de 28%, que, se confirmada, será a maior do mundo.

Diante dessa estimativa, a implementação da nova regra tributária pode resultar em um impacto financeiro expressivo para profissionais liberais, como advogados, médicos e contadores, que antes pagavam valores fixos de ISS e agora estarão sujeitos a uma alíquota variável, potencialmente superior.

Essa falta de previsibilidade sobre a alíquota efetiva do IBS, inclusive, é um dos pontos de maior insegurança para os contribuintes. Estudos preliminares indicavam que ela poderia chegar a 25%, o que já representaria um aumento significativo para muitos segmentos. Entretanto, nas vésperas da sanção da nova legislação, o governo aumentou as margens dessa estimativa de 3%, causando ainda mais preocupação. Além disso, mesmo com a promessa de alíquotas reduzidas para algumas categorias, a tributação global sobre o consumo tende a crescer, dificultando a competitividade de pequenas e médias empresas.

Outro ponto importante na discussão sobre os desafios trazidos pela reforma tributária é que o modelo atual do IBS propõe um regime de não cumulatividade, ou seja, as empresas poderão se creditar do imposto pago em fases anteriores da cadeia produtiva. No entanto, para setores intensivos em mão de obra e com baixo aproveitamento de créditos tributários, como o de serviços, esse sistema pode se tornar um peso significativo, elevando os custos e, consequentemente, os preços para o consumidor final.

Ainda que a reforma tenha como objetivo a simplificação do sistema tributário e a redução de distorções, o aumento da carga sobre o consumo pode gerar efeitos colaterais indesejáveis. Em vez de fomentar o crescimento econômico, há o risco de que o encarecimento dos serviços leve a uma menor demanda, impactando negativamente a geração de empregos e a arrecadação no longo prazo.

Importância do planejamento tributário

Com a Lei Complementar 214/25 entrando em vigor a partir do próximo ano, abre espaço para a discussão de outra reforma: a sobre a renda e patrimônio. Essa é uma pauta defendida pelo governo desde o início do terceiro mandato do presidente Lula, que fala em taxar os mais ricos no intuito de diminuir desigualdades. Mesmo que essa seja uma discussão válida e exista um ponto louvável, é necessário estar atento a essa movimentação, pois ela pode causar a perda de um benefício aos brasileiros: a isenção de imposto sobre lucros e dividendos.

O Brasil é um dos raros países do mundo que os lucros e dividendos são isentos da cobrança no Imposto de Renda (IR) ao serem distribuídos aos acionistas. Esse benefício é um grande atrativo para as empresas, o que poderia gerar uma fuga desses investimentos do território nacional e, assim, causar desemprego e um desequilíbrio na economia. O que poderia alinhar o modelo tributário brasileiro ao restante do globo, tem chances de se converter em uma dor de cabeça e, apesar das promessas, não aliviaria a alta carga de impostos paga pelos empresários no mercado doméstico.

Levando em consideração o iminente cenário de aumento da carga tributária sobre o consumo e a possibilidade de uma nova alteração em benefícios fiscais existentes, torna-se imprescindível que empresas e profissionais liberais revisem suas estratégias fiscais e operacionais. O planejamento tributário será essencial para mitigar os impactos dessa nova realidade e garantir a sustentabilidade dos negócios. A sociedade, por sua vez, deve continuar acompanhando e debatendo os desdobramentos da reforma, cobrando ajustes que garantam uma distribuição mais justa da cobrança de impostos.

A modernização do sistema de impostos é necessária, mas não pode ocorrer às custas de um segmento econômico fundamental para o país. O desafio agora é equilibrar essa nova estrutura sem sufocar aqueles que são essenciais para o funcionamento da economia brasileira.

Renata Elaine Ricetti Marques é pós-doutora em Direito Tributário pela Universidade de São Paulo, autora do livro Curso de Decadência e de Prescrição no Direito Tributário: Regras do Jogo e Segurança Jurídica e coordenadora da pós-graduação em Direito Tributário da Escola Paulista de Direito.

Fonte: Conjur