A Solução de Consulta Cosit nº 64 [1], publicada no Diário Oficial da União em 28 de março de 2024, tratou da contribuição previdenciária sobre a participação nos lucros e resultados (PLR). Segundo o entendimento expresso, o pagamento desse benefício a diretores estatutários não empregados está sujeito à incidência das contribuições previdenciárias e do Imposto de Renda Retido na Fonte (IRRF).
A Receita Federal fundamentou sua posição no fato de que a PLR paga a diretores não é abrangida pela Lei nº 10.101, de 2000, motivo pelo qual deverá ser integrado o salário de contribuição para fins de recolhimento da contribuição previdenciárias.
A referida determinação legal fundamentou seu posicionamento na Solução de Consulta Cosit nº 368, de 2014 [2], que afirmava que, mesmo que o diretor não participe do risco econômico do empreendimento, deverá ser considerado segurado obrigatório da previdência social na qualidade de contribuinte individual, razão dos valores recebidos a título de PLR integrando o salário-de-contribuição, para fins de recolhimento das contribuições previdenciárias.
Segundo a fundamentação da Receita, a Lei nº 8.212 de 1991 teria excluído da incidência das contribuições previdenciárias apenas os valores pagos como participação nos lucros ou resultados da empresa quando concedidos nos termos da Lei nº 10.101 de 2000. Além disso, argumentou-se que, de acordo com a interpretação do artigo 2° da Lei nº 10.101 de 2000, a participação nos lucros e resultados é objeto de negociação entre a empresa e seus empregados.
Como os diretores estatutários não empregados representam os interesses da empresa, a Receita entendeu que, mesmo formalmente denominada PLR, a remuneração aos diretores estatutários não se enquadra na hipótese prevista mencionada legislação. Portanto, deverá ser considerada como rendimento tributável, sujeita à incidência do imposto de renda retido na fonte e contribuições previdenciárias.
Recentemente, nos autos do processo nº 13977.000165/2007-71 [3], a 2ª Turma da Câmara Superior do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) decidiu de forma congruente com a posição anteriormente mencionada, determinando a incidência de contribuições previdenciárias sobre a participação nos lucros ou resultados paga a diretores não empregados. Essa decisão alinha-se à interpretação adotada pela Receita, reforçando o entendimento de que tais valores devem compor o salário de contribuição para fins de recolhimento das contribuições previdenciárias.
Em seus fundamentos, o Conselho entendeu que, por não contemplar como empregados, a categoria de diretores não está abrangida pela exceção prevista na alínea j, parágrafo 9º, do artigo 28 da Lei nº 8212 de 1991. Segundo o dispositivo, não se considera salário de contribuição “a participação nos lucros ou resultados da empresa, quando paga ou creditada de acordo com lei específica”.
Para o relator, conselheiro Maurício Nogueira Righetti, os diretores são contribuintes individuais e, dessa forma, não se enquadram como empregados para atrair a aplicação da Lei nº 10.101 de 2000. Dessa forma, a PLR paga ao diretor não empregado estaria excluída da norma isentiva, de modo que compõe o salário de contribuição para incidência de contribuições previdenciárias.
O racional empregado no voto é ilustrativo no sentido de que a própria Constituição previu, em seu artigo 7º, inciso XI, que é direito do trabalhador a participação nos lucros, ou resultados, conforme definido em lei. Veja que, ao assim fazer, a Constituição condicionou a participação nos lucros, ou resultados, à definição legal, de modo que o dispositivo teria uma eficácia contida.
A Lei nº 10.101 de 2000, por sua vez, a pretexto de regular a PLR dos trabalhadores em sentido amplo, previu apenas disposições referentes aos empregados, deixando de fora os trabalhadores não empregados, como é o caso do diretor estatutário.
Imprecisão entre trabalhadores e empregados
É importante destacar que a Lei nº 10.101 de 2000 apresenta certa imprecisão terminológica ao utilizar de forma alternada os termos “trabalhadores” e “empregados”, o que pode gerar dificuldades na interpretação sobre a inclusão ou não de trabalhadores não empregados em seu âmbito de aplicação. Esse entendimento, inclusive, também se revela em julgados do Superior de Justiça (STJ) [4].
Ocorre que as leituras restritivas, à luz da legislação, deixam escapar outros aspectos legais e constitucionais que possibilitam a compreensão sistêmica do tratamento que deve ser dado à PLR paga ao diretor não empregado.
Primeiro, deve se partir da compreensão de qual seria a natureza da PLR. Isso ocorre, pois, a Constituição trata a PLR como um dos direitos dos trabalhadores desvinculado da remuneração, sem estabelecer qualquer restrição com relação à sua tributação. Não obstante, o artigo 195, inciso I, alínea ‘a’, da mencionada norma, dispõe que as contribuições sociais para o financiamento da seguridade social incidirão sobre a “folha de salários e demais rendimentos do trabalho”.
Assim, a melhor compreensão da natureza da PLR é a de imunidade condicionada, questão que impacta diretamente na interpretação legal a ser conferida aos dispositivos da Lei nº 10.101 de 2000 [5].
A análise da Solução de Consulta Cosit nº 64 de 2024 e da decisão da 2ª Turma da Câmara Superior do Carf traz à tona um debate crucial sobre a tributação da PLR para diretores estatutários não empregados. Ambos os órgãos, alinhados com a Receita, sustentam a incidência das contribuições previdenciárias e IRRF, mesmo não sendo formalmente empregados.
Essa postura, embora embasada em interpretações legais e constitucionais, levanta questões sobre a aplicação restritiva da legislação. A PLR, considerada um direito desvinculado da remuneração, suscita debates sobre imunidade condicionada e sua relação com a tributação dos rendimentos do trabalho.
No entanto, a polêmica vai além das lacunas na legislação, destacando a necessidade de uma abordagem mais abrangente e sistemática dos dispositivos legais e constitucionais relacionados à PLR, de modo que se torna crucial uma revisão legislativa para garantir coerência e clareza na tributação desse benefício, equilibrando os interesses dos trabalhadores e as demandas do sistema previdenciário.
é estagiário tributarista no escritório Ayres Ribeiro e graduando em Direito pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).
Fonte: Conjur