A Medida Provisória nº 1.227, de 4 de junho de 2024, instituiu condições para a fruição de benefícios fiscais, delegou competência para os municípios e Distrito Federal fiscalizarem, lançarem, cobrarem, instruírem e julgarem os processos administrativos de Imposto sobre a Propriedade Territorial Rural (ITR), proibiu a compensação de créditos do PIS/Cofins com outros tributos federais, assim como revogou diversos preceitos legais que disciplinavam o ressarcimento e a compensação de créditos presumidos de PIS/Cofins, previsto para diversos setores do agronegócio.

Além da supressão de direitos e garantias fundamentais dos contribuintes, a medida provisória instituiu a obrigação de a pessoa jurídica que usufruir de benefício fiscal informar à Receita Federal, por meio de declaração eletrônica, os incentivos, as renúncias, os benefícios ou as imunidades de natureza tributária de que usufruir e o valor do crédito tributário correspondente, sob pena de dupla sanção, sendo uma pela falta de entrega ou entrega com atraso da referida declaração,  e outra sobre o valor omitido, inexato ou incorreto.

Créditos presumidos

Analisa-se, aqui, apenas um dos inúmeros flagelos tributários ao setor do agronegócio, envolvendo os créditos presumidos de PIS/Cofins de diversas cadeias de produção animal ou agrícola (cadeia de produção bovina, ovina, caprina, suína, avícola, café, soja, etc, inclusive nas exportações). Entre outros preceitos, houve a revogação do artigo 8º, §§11 e 12, da Lei nº 10.925/04, que permitia a compensação com outros tributos ou o ressarcimento do crédito presumido de PIS/Cofins acumulado.

O artigo 8º, “caput”, da Lei nº 10.925/04, concedeu crédito presumido de PIS/Cofins para pessoas jurídicas e cooperativas que produzem mercadorias de origem vegetal ou animal, destinadas à alimentação humana ou animal (carnes, filé de peixe, batata, tomate, cenoura, ervilha, azeitona, café, mate, arroz, trigo, milho, etc.), sobre o valor dos insumos adquiridos: a) de pessoa física; b) recebidos de cooperado; c) de cerealista que exerça cumulativamente as atividades de limpar, padronizar, armazenar e comercializar os produtos in natura de origem vegetal com determinada classificação na NCM; d) pessoa jurídica que exerça cumulativamente as atividades de transporte, resfriamento e venda a granel de leite “in natura”; e) de pessoa jurídica que exerça atividade agropecuária e cooperativa de produção agropecuária.

O crédito presumido é calculado com alíquotas variáveis entre 20% a 60% das alíquotas ordinárias do PIS/Cofins, dependendo do tipo dos produtos. Para os produtos de origem vegetal do Capítulo 11 (produtos da indústria de moagem, como farinha de trigo), por exemplo, a alíquota do crédito presumido do PIS é 0,57% e a da Cofins é 2,66%. O montante do crédito presumido é obtido a partir da incidência da alíquota sobre o valor da aquisição das mercadorias utilizadas como insumo.

O crédito presumido apurado pela pessoa jurídica ou cooperativa é utilizado para deduzir das contribuições ao PIS/Cofins. No exemplo da farinha de trigo, se a pessoa jurídica não conseguisse utilizar o crédito presumido até o final do trimestre-calendário, a lei assegurava o direito à compensação com débitos próprios, vencidos ou vincendos, administrados pela Receita, ou o ressarcimento em espécie. Esse microssistema normativo especial de aproveitamento do crédito presumido de PIS/Cofins acumulado também é previsto para diversas outras cadeias produtivas, como acima afirmado.

Ônus mitigado

Qual a razão do crédito presumido? As contribuições ao PIS/Cofins incidem sobre as receitas auferidas com as vendas. Na cadeia do agronegócio, é inegável que os custos de produção suportados pela agroindústria são agravados pela incidência do PIS/Cofins nas cadeias econômicas anteriores, inclusive em relação às aquisições de produtos vegetais ou animais de pessoas físicas. Embora os produtores pessoas físicas não sejam contribuintes de PIS/Cofins, eles suportam os ônus tributários nas aquisições de diversos bens, itens e insumos indispensáveis para a produção de matéria prima destinada à agroindústria.

Esse ônus tributário que vai sendo repassado desde a produção até a venda final, e que acaba mascarado no preço e suportado pelo consumidor, é mitigado com a outorga do crédito presumido para a pessoa jurídica ou cooperativa produtora. No agronegócio, o crédito presumido alivia a pressão dos ônus tributários no preço dos alimentos, servindo como alavanca para implementar um dos núcleos essenciais dos direitos de natureza fundamental, que é o direito social à alimentação, pressuposto indispensável à dignidade da pessoa humana.

Afronta

A política agrícola deve ser planejada e executada mediante a utilização de instrumentos fiscais voltados à ampliação dos direitos fundamentais. A MP nº 1.227/24 afronta o princípio da proibição do retrocesso e da dignidade da pessoa humana porque, ao restringir o direito à compensação e ao ressarcimento em espécie dos créditos acumulados de PIS/Cofins, obtidos pela outorga dos créditos presumidos, acaba por incrementar o preço dos alimentos e transfere ao consumidor o ônus tributário que justamente procurou afastar.

A desventura tributária é ainda maior porque o saldo credor do crédito presumido passível de compensação com outros tributos ou ressarcimento é aquele apurado no final de cada trimestre calendário. A MP nº 1.227/24, porém, passou a produzir os seus efeitos no mesmo dia da sua publicação, em 4 de junho, traindo a confiança do contribuinte de que os seus créditos em curso de apuração no segundo trimestre deste ano poderiam ser aproveitados na forma da lei então vigente.

A segurança jurídica foi desprezada porque o direito foi suprimido da noite para o dia, agravando o ônus tributário do contribuinte sem a observância ao princípio da anterioridade de exercício financeiro, uma vez agravado o encargo tributário com a impossibilidade de compensação com quaisquer outros tributos ou ressarcimento.

Tragédia tributária

Não fosse isso suficiente, ao permitir a compensação apenas com os débitos ordinários das próprias contribuições, o contribuinte detentor de créditos elevados em relação às suas operações no mercado interno corre o risco de enfrentar problemas quando não tiver débitos suficientes para compensar. Não há nenhuma garantia de que o direito ao crédito permanecerá íntegro, a salvo da prescrição, ainda que não possa ser utilizado em cinco anos pela ausência débitos suficientes.

Enfim, a MP nº 1.227/24 é uma inconstitucional tragédia tributária, notadamente para os produtores e exportadores do estado do Rio Grande do Sul, cujas atividades foram paralisadas por força dos eventos climáticos que destruíram a economia do setor primário.

Fonte: Conjur