Fraudar a fiscalização tributária na declaração de imposto de renda com a inserção de informações falsas ou diversas da que devia ser escrita com o objetivo de sonegar imposto é crime de falsidade ideológica previsto no art. 299 do Código Penal: 

“Art. 299 – Omitir, em documento público ou particular, declaração que dele devia constar, ou nele inserir ou fazer inserir declaração falsa ou diversa da que devia ser escrita, com o fim de prejudicar direito, criar obrigação ou alterar a verdade sobre fato juridicamente relevante”

De acordo com o art. 150 do CTN – Código Tributário Nacional, como o imposto de renda é uma exação sujeita à confirmação posterior, se a autoridade tributária não homologa essas informações e determinada a intimação do sujeito passivo para comprovar documentalmente o que foi inserido no sistema da Receita Federal, mas o contribuinte não comparece ao Fisco para apresentar os documentos exigidos pelo auditor fiscal, a declaração de imposto de renda não é homologada, ocasionando o lançamento de ofício, ou seja, a autoridade tributária deduz que as informações inseridas pelo contribuinte são ideologicamente falsas, e emite uma cobrança e uma intimação para a regularização do débito. 

Se o contribuinte paga a integralmente a dívida, incluindo multas e juros, nos termos da súmula vinculante 24, a declaração de imposto de renda é automaticamente homologada. Caso contrário, como há presunção de crime contra a ordem tributária, uma vez que o não pagamento da exação levará ao lançamento definitivo do crédito tributário, a autoridade fiscal enviará os fatos ao Ministério Público, que poderá propor uma ação penal pelos crimes previstos no art. 1º, I, da lei 8.137/90 e art. 299 do Código Penal.

Se após a intimação para a corroboração das deduções inseridas pelo sujeito passivo na declaração de imposto de renda ocorre a materialização do crime de falsidade ideológica, ou seja, o contribuinte comparece à autoridade tributária e apresenta os documentos exigidos pelo Fisco, a conduta criminosa a ser apurada está prevista no art. 304 do Código Penal, uma vez que o sujeito passivo utilizou os documentos ideologicamente falsos inseridos na declaração do imposto de renda:  

“Uso de documento falso

Art. 304 – Fazer uso de qualquer dos papéis falsificados ou alterados, a que se referem os arts. 297 a 302:

Pena – a cominada à falsificação ou à alteração.”

Seja como for, a capitulação jurídica para o enquadramento do crime a ser apurado dependerá da análise do caso concreto. Em linhas gerais, se o sujeito passivo inseriu informações ideologicamente falsas, mas não compareceu à autoridade tributária para apresentar prova documental da dedução fraudulenta, responderá pelo crime de falsidade ideológica e contra a ordem tributária. Se o contribuinte materializou a fraude, ou seja, compareceu perante o auditor fiscal e protocolou os documentos ideologicamente falsos, responderá pelo crime de uso de documento falso e contra a ordem tributária.

Como o propósito do sujeito passivo é único, ou seja, fraudar a fiscalização tributária com o objetivo de pagar menos tributos, mesmo que seja comprovado que os documentos apresentados contribuinte após a intimação da autoridade fiscal são ideologicamente falsos, ele não poderá ser responsabilizado pelas duas infrações penais (art. 299 e 304 do CP), pois o nosso sistema de persecução criminal impede a dupla responsabilização penal pelo mesmo fato.

Confira trechos do voto proferido no julgamento do RHC 26.891/MG, relator ministro Jorge Mussi, 5ª turma, julgado em 26/6/12, DJe de 1/8/12, onde foi rechaçada a hipótese acusatória que vindicava a aplicação de concurso material entre as infrações penais do art. 299 e 304 do Código Penal: 

“Com efeito, narra a denúncia que o paciente teria se utilizado de recibos odontológicos ideologicamente falsos, emitidos pelo corréu, para reduzir a base de cálculo do Imposto de Renda da Pessoa Física, nos anos-calendário de 1999 e 2001, conduta que teria importado na sonegação do referido tributo no montante de R$ 18.011,95 (dezoito mil e onze reais e noventa e cinco centavos).”

“Ora, quer fazer crer o Órgão Acusatório que a conduta de falsificar ideologicamente os recibos referentes aos supostos serviços odontológicos, bem como a sua apresentação à Secretaria da Receita Federal, tiveram propósitos diversos da declaração falsa previamente prestada pelo recorrente na sua Declaração de Ajuste Anual, atribuindo-lhe a prática de novos delitos. 

Entretanto, da narrativa acima colacionada, apenas se depara com uma única conduta, a de reduzir ou suprimir tributo mediante declaração falsa prestada à autoridade fazendária, consubstanciada nos próprios documentos particulares ideologicamente falsos. 

Por tal razão, a utilização dos referidos documentos no procedimento posteriormente deflagrado pela Secretaria da Receita Federal não passa de mero exaurimento da conduta delituosa anterior, já que retratam a própria declaração falsa já prestada pelo recorrente.”

De acordo com esse caso julgado pelo STJ, a apresentação do recibo odontológico ideologicamente falso para apurar a veracidade das informações inseridas pelo sujeito passivo na declaração de imposto de renda, que buscava redução de exação fiscal, configura uma etapa necessária para a consumação do crime fim – uso de documento falso -, devendo ser por ele absorvido.

É importante destacar que o pagamento integral da dívida tributária, mesmo após o oferecimento de uma acusação criminal, é causa de extinção da punibilidade. Isso quer dizer que, independetemente da capitulação jurídica que o sujeito passivo incorreu ao inserir informações ideologicamente falsas na declaração de imposto de renda, se o objetivo da fraude for de reduzir o pagamento de tributo, e estiver comprovado que a dívida fiscal foi integralmente paga, a acusação criminal deverá ser extinta, conforme entendimento consolidado no STJ.

“Conforme entendimento pacífico nesta Corte, o pagamento integral do tributo, a qualquer tempo, extingue a punibilidade quanto aos crimes contra a ordem tributária. (AgRg no AREsp 1.772.918/SP, relator ministro Ribeiro Dantas, 5ª turma, julgado em 3/8/21, DJe de 10/8/21.)”

Portanto, a inserção de documentos ideologicamente falsos na declaração de imposto de renda e a eventual apresentação desses documentos à autoridade tributária, apesar de possuírem denominações criminais distintas, não podem ser aplicados conjuntamente como forma de exasperar uma acusação criminal que teve como objetivo à apuração de responsabilidade pelo crime de sonegação fiscal.  


Constituição da República Federativa do Brasil de 1988.

Decreto-Lei nº. 3.689, de 3 de outubro de 1941. 

Decreto-Lei nº. 2.848, de 7 de dezembro de 1940. 

Lei nº. 5.172, de 25 de outubro de 1966. 

Lei nº. 8.137, de 27 de dezembro de 1990. 

RHC n. 26.891/MG, relator Ministro Jorge Mussi, Quinta Turma, julgado em 26/6/2012, DJe de 1/8/2012.

AgRg no AREsp n. 1.772.918/SP, relator Ministro Ribeiro Dantas, Quinta Turma, julgado em 3/8/2021, DJe de 10/8/2021.

Ricardo Henrique Araujo Pinheiro
Advogado especialista em Direito Penal. Sócio no Araújo Pinheiro Advocacia.

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