Foi publicada no dia 9 de maio de 2024 a Portaria RFB nº 417, que estabelece os procedimentos para a implementação do piloto do Programa de Conformidade Cooperativa Fiscal (Confia), iniciativa da Receita Federal voltada à construção de uma relação mais colaborativa entre o fisco e os grandes contribuintes.
Destinado a grandes empresas, o Confia propõe uma nova forma de interação entre Receita e setor privado, em que os contribuintes podem submeter previamente seus planejamentos tributários para análise do fisco. O programa representa um avanço na busca por segurança jurídica e previsibilidade nas relações tributárias, mas seu sucesso dependerá, em grande parte, da aprovação legislativa e da consolidação de incentivos claros à conformidade voluntária, o que ainda não ocorreu.
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O programa é voltado a empresas com receita bruta superior a R$ 2 bilhões e que possuam, no mínimo, R$ 100 milhões em débito declarado, reforçando o foco em grandes grupos econômicos com atuação relevante no cenário nacional.
O piloto do Confia contemplou, entre outros, os seguintes processos:
– Renovação cooperativa da Certidão Negativa de Débitos (CND) ou Certidão Positiva com Efeitos de Negativa (CPend);
– Análise cooperativa de temas fiscais por iniciativa da Receita ou do contribuinte;
– Elaboração do Plano de Trabalho de Conformidade;
– Certificação do contribuinte como participante do piloto.
Durante o processo de candidatura, o contribuinte permanece como “candidato ao piloto”, passando à condição de “participante” após sua certificação.
Um dos pilares do piloto é a elaboração conjunta de um Plano de Trabalho. O Centro Confia fica responsável por consultar as áreas internas da Receita para identificar questões tributárias relevantes para cada contribuinte, que serão posteriormente discutidas em comitê específico. Este comitê é composto por representantes de áreas como fiscalização, monitoramento, gestão de crédito tributário e direito creditório. Também participa o ponto focal designado pela Receita para acompanhar o contribuinte em questão (em regra dois auditores fiscais).
O plano é elaborado anualmente, com início das tratativas a partir de outubro do ano anterior. Para 2024, os planos tiveram vigência até 31 de dezembro e foram estruturados com base na data de validação da candidatura ao piloto.
Os contribuintes tiveram a chance de indicar questões de seu próprio interesse, desde que relacionadas a atos já implementados ou em vias de implementação. Contudo, há restrições: não poderão ser incluídos temas relacionados à constitucionalidade de normas, fiscalizações em curso, tributos próximos da decadência, matéria aduaneira ou casos com indícios de ilícitos.
O programa também prevê mecanismos de orientação mais célere. Os contribuintes podem, com apoio do ponto focal da Receita, formular conjuntamente consultas tributárias. A Coordenação-Geral de Tributação (Cosit) pode ainda convocar reuniões para esclarecer dúvidas.
O Centro Confia acompanha a regularidade fiscal dos participantes e pode acionar as áreas técnicas da Receita em caso de pendências que impactem a emissão de certidões, sendo autorizado o compartilhamento interno, entre setores da Receita, de informações e documentos produzidos no âmbito do programa, com o objetivo de evitar retrabalho e promover maior eficiência nos processos.
Por fim, cabe à Coordenação Especial de Maiores Contribuintes (Comac) a consolidação de atos normativos e a produção de um manual técnico para orientar a aplicação prática das diretrizes do Confia.
Resultados
O piloto do Programa de Conformidade Cooperativa (Confia) já demonstrou impacto expressivo: segundo a Receita Federal, foram arrecadados R$ 448 milhões desde o início da iniciativa, por meio de acordos firmados com 20 empresas participantes. Para este ano, o Fisco pretende ampliar o número de empresas integradas ao modelo cooperativo.
No entanto, a ausência de validação legislativa pode limitar a atratividade do programa. Atualmente, a possibilidade de redução de multas depende de regulamentação legal e a indefinição no Congresso sobre o Projeto de Lei nº 15/2024 — que institui formalmente os programas Confia, Sintonia e OEA e dispõe sobre o devedor contumaz e as condições para fruição de benefícios fiscais — pode enfraquecer o engajamento de novos contribuintes.
A Receita Federal trabalha com a expectativa de que o PL 15/2024 seja votado ainda neste semestre. A aprovação da lei permitiria a ampliação do programa para 60 a 80 empresas, conforme a capacidade operacional da Receita.
A tramitação pode ser afetada também pelo andamento do PLP 125/2022, que trata do mesmo tema e encontra-se em estágio mais avançado no Senado. O Congresso e o Ministério da Fazenda discutem a possibilidade de unificar os dois projetos, o que incluiria também a regulamentação dos programas de conformidade.
Certo é que mesmo que os projetos de lei não sejam aprovados, o projeto será mantido, ainda que com alcance limitado. Além da possibilidade de redução de multas, o programa atrai empresas pelo benefício de um acompanhamento tributário personalizado, para o qual já existe forte demanda.
Sobre a redução de multas, trata-se de possibilidade de, em caso de divergência de interpretação entre fisco e contribuinte, os tributos sejam cobrados sem penalidades, o que garante maior segurança jurídica e evita sanções após o compartilhamento de planejamentos tributários.
Outros aspectos
Entre os temas já discutidos e regularizados no âmbito do Confia estão: Cide/Remessa para o exterior; Imposto de Renda pago no exterior e sua dedutibilidade nas estimativas mensais do IR; indenizações por ilícitos ambientais; erros de cálculo; Juros sobre capital próprio; IRRF e receitas de restituição de indébitos da Tese do Século.
De acordo com a Receita Federal, apenas nesses casos os contribuintes deixaram de pagar cerca de R$ 336 milhões em multas.
Com resultados expressivos já registrados e um modelo que aposta na transparência e na cooperação entre fisco e contribuinte, o Confia surge como uma das principais apostas da Receita Federal para modernizar a relação tributária no país. No entanto, sua consolidação definitiva ainda depende dos avanços legislativos.
A demora na aprovação dos projetos de lei pode frear a adesão de novas empresas e comprometer o alcance do programa, especialmente diante das limitações legais para a redução de multas. Enquanto isso, o piloto segue em operação, testando os limites de um novo paradigma de conformidade tributária no Brasil — mais colaborativo, preventivo e com foco na segurança jurídica.
Conjur