Benjamin Constant, nascido na Suíça de pais franceses, foi um dos grandes filósofos de seu tempo, com sua erudição muito vasta no campo da filosofia, da história, da economia, do direito e da política, cujas ideias superaram o seu tempo e as fronteiras, influenciando muitos países.
Seus estudos e vivência na Inglaterra o levaram a se preocupar com a “liberdade de empreender”, ou o que chamava de “liberdades modernas”, indispensáveis à economia capitalista, em complemento às “liberdades individuais”, que compreendiam a liberdade de opinião e expressão.
Segundo José Murilo de Carvalho, o conceito de Poder Moderador, em contraposição ao Poder Real, por ele desenvolvido, figurou na Constituição brasileira de 1824, foi debatido em 1933 e, novamente, na Constituinte de 1988. Mesmo atualmente é lembrado como solução para muitos dos problemas que o país vive. No cenário político do país, quando não existe a “harmonia” entre os três poderes, que se arvoram em absolutos e desrespeitam a Constituição, sente-se a falta de um Poder Moderador que possa “enquadrar o Executivo, o Legislativo e o Judiciário em seus respectivos campos de competências definidos na Carta Magna.
Benjamin Constant não foi apenas enciclopédico, mas extremamente produtivo, com inúmeras obras sobre os mais diversos temas, inclusive sobre religião, com cinco volumes.
Uma de suas obras bastante marcante, e cujo título soaria pedante não fosse ele o autor – “PRINCÍPIOS DE POLÍTICA APLICÁVEIS A TODOS OS GOVERNOS”-, é um denso livro de 596 páginas que trata de temas muito atuais.
Talvez o mais atual no momento seja o capítulo “DOS IMPOSTOS”, pois estamos discutindo uma reforma tributária e, apesar de a realidade daquela época ser completamente distinta, os conceitos apresentados sobre tributação e direito dos governantes e dos governados podem ser relevantes para o Brasil de hoje.
Na introdução ao capítulo dos Impostos, alerta que a natureza do tema “não permite aprofundar a pesquisa sobre os melhores tipos de impostos que se poderia instituir, … o propósito principal tem que ser a determinação dos respectivos direitos dos governantes e o dos governados nessa matéria”.
Ao iniciar a análise do tema, afirma que o governo tem suas responsabilidades e, por isso, tem o direito de solicitar que os indivíduos sacrifiquem parte se suas posses para custear os gastos necessários para esse fim.
De outra parte, o primeiro direito dos governados é o de demandar que “a soma dos impostos não exceda o necessário para o objetivo pretendido”, para o que é preciso “arranjos políticos” que imponham limites aos gastos.
Se as despesas públicas se tornarem excessivas, o Parlamento deve ter o poder para melhorar a natureza dos impostos, ou impedir os gastos, para o que seus representantes disponham de liberdade plena e poder efetivo e não ilusório.
O segundo direito dos governados em relação à taxação “é que a natureza e o processo de arrecadação resultem no menor transtorno possível para os contribuintes”, que os impostos incidam igualmente sobre todos, proporcionalmente às respectivas posses.”
Destaca que o estabelecimento de um novo imposto geralmente provoca “uma perturbação que se alastra das atividades tributáveis para as não tributáveis”. Qualquer alteração nas regras da tributação causa transtorno por certo período, sendo que é preciso analisar quais são e quais não são admissíveis.
Passando aos tipos de impostos, lembra que muitos recomendaram a tributação sobre a terra como a mais natural e defenderam, inclusive, que ela fosse a única fonte de tributação, o que não prosperou pela constatação de que sua capacidade arrecadatória não geraria os recursos suficientes para os governos. Outros impostos foram acrescidos, mas a tributação da terra, no geral, continuou a ser a mais importante, mas não prosperou o argumento de que toda atividade dependia da terra e, por isso, seria mais simples tributá-la com exclusividade.
Décadas de discussões, indo desde a tributação exclusiva até a não tributação da terra, mas apenas de seus produtos, levou a maior parte dos países a cobrar impostos sobre a terra de uso agrícola e, mais elevados no caso em que ela se constitui apenas em reserva de valor, inclusive para forçar sua repartição.
Depois de defender uma tributação moderada da terra, afirma que os impostos indiretos que recaem sobre a terra acabam sendo voluntariamente pagos pelo consumidor sem perceber, pois estão embutidos nos preços.
Para o autor, os impostos indiretos não ofendem os princípios estabelecidos, mas apresentam três grandes inconvenientes: tendem a se multiplicar indefinidamente de uma maneira quase indistinguível; sua arrecadação é difícil, aborrecida e, com frequência, corruptora em vários aspectos; e terceiro, criam um crime artificial, o contrabando.
Argumenta, contudo, que o primeiro inconveniente pode ser contornado pela autoridade que aprova os impostos, o segundo deve ser evitado pelo controle de sua forma de cobrança. O terceiro é mais polêmico, pois associa taxas elevadas de tributação ao contrabando porque considera que é uma barreira artificial ao direito do consumidor de comprar tais produtos. “Os governos, por vezes, disfarçam suas proibições com impostos elevados sobre bens cuja entrada desejam evitar, incentivando o contrabando e levando ao crime.”
Na análise sobre como a taxação vai de encontro aos direitos individuais, por definição, isso ocorre quando sua cobrança causa embaraços ou dificuldades ao consumidor, ou é muito tributada, no caso em que seu consumo é necessário ou obrigatório. Destaca, contudo, um imposto que é pago sem qualquer reclamação.
“Os impostos indiretos devem pesar o mínimo possível sobre artigos que são necessidades básicas. Nenhum imposto é pago com tanto prazer quanto o da Loteria, não precisa de leis coercitivas para coletar tal receita, mas a Loteria oferecendo um caminho para a riqueza que não é o da indústria, o do trabalho e o da prudência, lança sobre as conjecturas dos homens o tipo mais perigoso de desordem. As muitas oportunidades iludem as pessoas quanto à improbabilidade de acertar. O baixo preço das apostas encoraja a repetição das tentativas. Os resultados são problemas, dificuldades financeiras, ruína e crime. As camadas mais baixas da sociedade, vítimas dos sonhos sedutores com os quais ficam inebriadas, cometem crimes contra a propriedade ao seu alcance, enganando-se a si próprias de que um resultado favorável corrigirá e esconderá a torpeza. Nenhuma lógica fiscal pode justificar que contemplem tais consequências.”
É interessante notar que neste livro, escrito em 1715, Benjamim Constant proteste contra o jogo, apontando suas consequências para as pessoas, especialmente as mais humildes. De mesma forma que Balzac, em 1825, no seu Código dos Homens Honestos, também considerava que, ao tributar, se estava não apenas legalizando, como avalizando.
No tocante aos conceitos relevantes podemos destacar o de que os governantes “têm direito de cobrar impostos dos governados”, mas estes “têm o direito de que os tributos sejam o mínimo necessário para o exercício do governo”, e o de que a forma de cobrança, isto é, “a natureza e o processo de arrecadação, resulte no menor transtorno possível para os governados”.
Adverte que qualquer mudança ou estabelecimento de um novo imposto geralmente provoca “uma perturbação… e qualquer alteração nas regras da tributação causa transtorno por certo período” e recomenda “analisar quais são, e quais não são (as alterações) admissíveis.”
Se esses conceitos e advertências fossem levados em conta na discussão da reforma tributária, seria outro o caminho em discussão. Isso porque o que se está discutindo não é apenas uma alteração do sistema tributário, mas sua total “ruptura”. Além disso, acarretará aumento da tributação para o setor serviços e terá uma sistemática extremamente complexa de arrecadação.
Pode-se considerar que todos os contribuintes terão aumento de carga tributária porque os Fundos que o governo deverá bancar serão cobertos por todos. Só não se sabe como, quando e quanto.
Fonte: Diário do Comércio