Tentando impulsionar seus negócios, muitas vezes ainda em fase de estruturação, micro empreendedores individuais (MEIs) e micro e pequenas empresas precisam lidar ainda com obstáculos que vão além das dificuldades de se colocar um empreendimento de pé: a ação de golpistas. Os pequenos empreendedores são alvo de diversos tipos de fraude — como as que simulam cobranças e outras em que os criminosos se passam até pelo governo no processo de abertura das empresas (leia mais abaixo) —, mas uma modalidade que vem acumulando vítimas é que a envolve a contestação das compras pelos clientes.
Funciona assim: depois que o produto é entregue, o consumidor entra em contato com a instituição financeira dizendo que não reconhece a compra. Segundo vítimas e advogados que acompanham casos do tipo, as intermediadoras de pagamento entram em contato com as empresas para ouvir o outro lado, mas, em geral, dão razão aos clientes, e o prejuízo fica para o pequeno negócio.
A ação acontece tanto por má-fé do próprio consumidor ou por atuação de fraudadores usando cartões clonados. Nesses casos, o prejuízo tende a ser sentido de maneira mais intensa pelas micro e pequenas empresas do que em outros golpes, principalmente quando observada a proporção das perdas frente ao faturamento do negócio.
É o que aponta o empresário Pedro Albuquerque, dono de uma marca que vende lareiras elétricas em plataformas de e-commerce. Em pouco mais de três anos de atuação, ele já foi vítima de seis fraudes do gênero, com prejuízos que passam de R$ 5 mil. No caso mais recente, foram perdidos R$ 900.
— Um suposto cliente comprou a lareira e depois fez uma reclamação como se não tivesse recebido o produto. A plataforma deu razão a ele e me deixou no prejuízo — conta: — O dano para gente que é pequeno é muito maior do que uma grande marca. O risco do pagamento acaba ficando todo com a gente. Em 2021, quando a empresa tinha um ano, eu sofri o primeiro golpe. A empresa ainda estava começando. Foi um impacto imenso.
R$ 5 mil de prejuízo
O advogado Bruno Sion tem notado um aumento no número de casos assim, em diferentes tipos de negócios. Um dos clientes dele é o dono de uma loja on-line que vende moedas virtuais de jogos eletrônicos, como EA FC. O microempreendedor teve um prejuízo de R$ 5 mil após um mesmo cliente contestar uma série de compras feitas com diferentes cartões de crédito.
A Mercado Pago, intermediadora das transações, pediu à empresa uma comprovação de que os produtos foram entregues, mas, segundo o empresário, não aceitou as provas apresentadas pela loja.
Em nota, a empresa informou que está em andamento uma negociação com a operadora do cartão do comprador , com prazo de resolução de até 140 dias, e que “assim que finalizada a negociação, o cliente será informado”.
“No caso do Mercado Pago, quando uma compra é contestada, o dinheiro do pagamento é retido até que o problema seja resolvido, e o Mercado Pago gerencia o caso junto com a instituição emissora do cartão”, completa a empresa.
Previsão contratual
Segundo Sion, em geral as empresas de pagamento alegam a previsão contratual do chamado “chargerback”, o cancelamento de uma compra on-line pelo não reconhecimento do titular do cartão, ou se a transação não obedecer às regulamentações previstas nos contratos editados pelas administradoras de cartão.
O argumento, no entanto, tem sido anulado pela Justiça. Em 2022, a Décima Quarta Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça do Rio (TJ-RJ) afastou a alegação numa ação de um supermercado contra uma empresa de pagamentos.
“Demais disso, a cláusula de chargeback não prepondera sobre os princípios da boa-fé objetiva, da confiança e da segurança que se espera nas relações contratuais. Fato é que, após aprovada a transação, o estabelecimento comercial acredita que todas as questões de segurança foram analisadas pela operadora do cartão de crédito e pela intermediadora, gerando a firme expectativa de receber o valor que lhe é devido. Portanto, espera-se de empresas de grande porte, como é o caso das apelantes, a garantia de segurança das operações financeiras de seus parceiros comerciais, o que não se viu na espécie”, escreveu o desembargador Luiz Eduardo Cavalcanti Canabarro.
Para prevenir, contato com o cliente e atenção aos contratos
Para se prevenir de novos prejuízos, a saída encontrada por Albuquerque, da marca de lareiras, tem sido manter contato com o cliente até a confirmação da entrega:
— Falo pelo próprio chat das plataformas onde vendo os produtos, porque se acontecer algo, tenho uma comprovação mais robusta. É uma forma de me precaver.
A estratégia é endossada pelo professor da Escola de Negócios (IAG) da PUC-Rio Marcos Caiado. Ele observa que isso pode auxiliar o empresário na hora de justificar junto à operadora a má-fé do suposto cliente em caso de contestação indevida.
— Para minimizar os golpes, recomendo que se verifique a identidade dos compradores antes do envio da mercadoria, especialmente em transações de alto valor. Isso pode ser feito por meio de um contato pessoal após a venda, e antes do envio da mercadoria — orienta: — Nessa oportunidade, o comerciante pode pedir alguns documentos que reforcem segurança da venda, como comprovante de residência em nome do cliente.
Treinamento
Caiado aconselha ainda que a equipe da empresa seja treinada para reconhecer sinais de possíveis fraudes, estando atenta a padrões incomuns de compra, como múltiplas transações de alto valor em um curto período de tempo, o que pode indicar atividade fraudulenta.
— Por fim, embora não seja barato, é possível também investir em um seguro contra fraudes para se proteger contra perdas financeiras em caso de golpes bem-sucedidos — diz.
Para quem é vítima, o primeiro passo deve ser registrar o caso na polícia e buscar uma solução administrativa junto à empresa intermediadora do pagamento. Sem sucesso, o caminho é a Justiça, como explica o professor de direito da FGV Fernando Eberlin.
Ele explica ainda que, no caso do cliente agindo de má-fé, a relação que existe entre a empresa e o cliente é de consumo. Desta forma, o direito dele de contestar a comprar não é garantido, porque a boa-fé precisa ser dos dois lados.
— Já em relação ao golpe, é uma outra discussão, porque você não está falando de um consumidor do outro lado. E aí é como uma pessoa física que sofre um golpe — afirma: — Para tentar se precaver, esse empreendedor precisa entender os meios de pagamento que ele contratou e entender nos contratos quais são as garantias que ele têm. E se essa relação pode ser lida como uma relação de consumo. Se houver uma expectativa de segurança, essa expectativa precisa ser honrada.
Conheça outros golpes
- Abertura de MEI
Recorrentemente, golpistas criam páginas falsas que se passam pelo portal de formalização do MEI da plataforma Gov.br e induzem o empreendedor a acreditar que é preciso pagar uma taxa para abrir a empresa. Mas atenção; o processo é gratuito.
- Retificação na declaração do Simples
Em outra modalidade, os fraudadores enviam e-mails solicitando que o MEI faça correções na Declaração Anual do Simples Nacional do MEI (DASN SIMEI) ou informando sobre pendências na declaração de Imposto de Renda. Eles aproveitam para incluir links maliciosos para ter acesso aos dados pessoais e bancários da vítima. O Sebrae orienta que o empreendedor deve sempre observar o endereço de e-mail de onde as mensagens foram enviadas. Vale lembrar que a Receita Federal não entra em contato por e-mail sem o aval do contribuinte, e que todas as comunicações são realizadas por meio do Portal e-CAC.
- DAS via pix
Outra fraude envolvendo o DAS do Simples é a que golpistas enviam mensagens aos empreendedores, geralmente via WhatsApp, sobre supostos descontos em tributos em caso de pagamento via Pix. No fim de 2023, a Receita Federal esclareceu que não envia boletos ou DAS para pagamento por e-mail ou WhatsApp, e também não condiciona a concessão de isenções ou reduções de multa e juros em caso de pagamento instantâneo. O Fisco reforçou que a emissão da DAS ou DAS-MEI para pagamento de débito ocorre via Portal do Simples Nacional ou via Portal e-CAC.
- Empréstimos falsos
Criminosos entram em contato via WhatsApp, SMS ou redes sociais e fazem propostas de supostos empréstimos vantajosos, com juros mais baixos que os praticados no mercado. A mensagem enviada costuma ter um link que direciona a vítima para uma página de envio de documentos pessoais, cujos dados acabam sendo usados em fraudes.
- Cobranças indevidas
Os fraudadores enviam cobranças indevidas, por e-mail ou correspondência, como boletos de registro de domínio do negócio na Internet (endereço de site) ou algum tipo de taxa de adesão à associação de classe, por exemplo. Os boletos, de valores baixos e com pagamento “facultativo”, chegam a usar o logotipo da Caixa. O objetivo é arrancar dinheiro do empreendedor sem que ele desconfie.
Fonte: Sebrae