A implementação do domicílio eletrônico trabalhista (DET) é um avanço significativo na digitalização e na eficiência das relações de trabalho no Brasil. Obrigatório para empresas dos grupos 1 e 2 do eSocial desde o começo de março de 2024, o DET serve como um canal oficial de comunicação entre a Subsecretaria de Inspeção do Trabalho (SIT), o Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) e as empresas, transcendendo da mera função de um endereço físico para uma plataforma abrangente de serviços digitais, incluindo desde a notificação de atos administrativos e procedimentos fiscais até a recepção de documentação eletrônica exigida em fiscalizações trabalhistas.
Esse avanço tecnológico se soma a outras plataformas, como o eSocial, o FGTS Digital e a Carteira de Trabalho Digital, criando um ecossistema integrado que facilita a gestão de obrigações fiscais, previdenciárias e trabalhistas, ao mesmo tempo que promove mais transparência e mais acesso à informação para os trabalhadores. Sem falar na efetividade da fiscalização.
O eSocial, por exemplo, já consolida diversas obrigações das empresas em um único lugar. O FGTS Digital, por sua vez, otimiza a arrecadação e a gestão dos recursos do fundo, enquanto a Carteira de Trabalho Digital oferece um acesso rápido e seguro às informações dos trabalhadores, além de simplificar o registro de colaboradores pelas empresas.
A integração dessas plataformas ao DET potencializará a capacidade do governo de monitorar e fiscalizar o cumprimento das leis trabalhistas, além de oferecer um canal direto e eficiente para denúncias e reclamações.
Para as empresas, significará a integração a um sistema com mais eficiência e mais transparência nas relações laborais. Isso envolve a adaptação de sistemas internos, treinamento de equipes e uma revisão dos processos de gestão de informações trabalhistas e previdenciárias para garantir a conformidade e aproveitar os benefícios oferecidos por esse ecossistema digital.
A importância do DET, portanto, vai além da sua função como canal de comunicação: será uma peça central na modernização da própria administração pública, que se vê também pela relação entre o novo sistema e a inteligência artificial (IA). É aí, inclusive, que reside a grande novidade.
IA nas relações de trabalho
O papel da inteligência artificial no novo modelo será fundamental, já que deve potencializar as capacidades das plataformas. Talvez a principal seja a automação de processos, agilizando a análise de grandes volumes de dados e identificando padrões e inconsistências com uma eficiência inatingível pelo trabalho humano. Para as relações de trabalho, somente isso já significará uma fiscalização mais efetiva e a rápida identificação de irregularidades.
Além disso, a IA pode personalizar a experiência de usuários, seja orientando empregadores na correta aplicação das normas trabalhistas, seja oferecendo acesso facilitado aos trabalhadores sobre informações, direitos e obrigações. Chatbots inteligentes, por exemplo, poderiam oferecer assistência imediata a dúvidas frequentes, melhorando o acesso à informação e a satisfação dos usuários.
Análise preditiva: uma nova potencialidade
No âmbito da fiscalização, a IA pode ser uma ferramenta valiosa de análise preditiva. Trata-se de uma técnica avançada de análise de dados que utiliza algoritmos de aprendizado de máquina, estatísticas, modelagem preditiva e mineração de dados para analisar informações históricas e atuais com o objetivo de fazer previsões sobre eventos futuros ou desconhecidos. Em outras palavras, permite aos usuários analisarem dados existentes para prever comportamentos, tendências e atividades futuras com uma certa margem de precisão.
A análise preditiva pode ajudar a identificar setores ou empresas com maior risco de descumprimento das normas trabalhistas, por exemplo. Não é à toa que deve fortalecer, a partir de agora, a auditoria do trabalho na compilação de dados para posterior fiscalização das empresas — prevendo, inclusive, comportamentos futuros, em decorrência de comportamentos passados. Isso permite, ainda, uma alocação mais eficiente dos recursos para fiscalizar, focando esforços onde seja mais necessário. Um exemplo seria uma fiscalização específica de uma determinada empresa na qual todos os dados estejam integrados — eSocial, FGTS Digital, CTPS Digital, todo o ordenamento jurídico trabalhista, de todas as esferas —, cruzando essas informações com o objetivo de verificar o cumprimento da legislação trabalhista. Isso é mais poderoso do que todos os fiscais do Trabalho juntos.
A IA também ajuda a trabalhar com a segurança dos dados. Frente ao aumento do volume de informações sensíveis trocadas, sistemas dessa ferramenta podem monitorar e identificar tentativas de violações de dados em tempo real, reforçando a proteção contra fraudes e vazamentos de informações. Isso faz com que as defesas administrativas das empresas, inexoravelmente, sejam feitas por IA: os humanos não terão mais capacidade de analisar o colossal volume de dados e possíveis autuações advindas da inteligência artificial. Nesse ponto, não há dúvidas de que todo os perfis de notificação e defesa administrativa serão alterados para sempre — e o DET vai potencializar esse fluxo imenso de dados.
Em suma, a fusão dessas tecnologias digitais com a IA cria um ambiente de trabalho mais justo, transparente e equitativo, em que a conformidade com as obrigações trabalhistas e previdenciárias seja simplificada e incentivada. Isso não apenas beneficia os trabalhadores, garantindo direitos e promovendo um ambiente de trabalho mais seguro, como também oferece às empresas as ferramentas necessárias para navegar com sucesso no complexo cenário regulatório brasileiro, ao otimizar processos e reduzir custos.
Eduardo Pastore é advogado trabalhista
Paula Tateishi é assessora da Federação do Comércio de Bens, Serviços e Turismo do Estado de São Paulo (FecomercioSP).
Site: Migalhas