Um levantamento sobre os pais fundadores do Direito Tributário brasileiro certamente se iniciaria com José da Silva Lisboa, o Visconde de Cairu, em cujos estudos, ainda que mais centrados em matéria comercial, há exploração de matéria fiscal. Cairu defendia o desenvolvimento da indústria mediante a isenção dos direitos de exportação, o que resultaria na extensão do mercado e na facilidade do consumo. Pensava mais no incentivo à exportação, por intermédio de exações de pequeno valor, do que propriamente na limitação da importação, por meio de exações de grande valor, e altamente protecionistas. tomadas ao longo do período joanino.

Deve-se mencionar também os trabalhos de Silva Maia, Amaro Cavalcanti, Viveiros de Castro, Perdigão Malheiro, bem como as decisões do Conselho de Estado em matéria tributária. Há também as contribuições de Pedro Autran, José Rubino de Oliveira, Veiga Cabral, Pereira do Rego e Castro Carreira. Percebe-se, no mais das vezes, que o Direito Tributário estava contido na ciência das Finanças e, principalmente, no que à época se entendia por Direito Administrativo. No século 19 e no início do século 20 assuntos tributários eram tratados muito recorrentemente nos manuais de Direito Administrativo. Com a promulgação do CTN, em 1965, esses campos do conhecimento se separaram de modo mais nítido.

Os manuais de Pedro Autran e Rubino de Oliveira

Entre os autores de menção episódica, Pedro Autran da Matta Albuquerque, que nos deixou portentoso manual de economia política. Professor na Faculdade de Direito do Recife, o manual era utilizado como livro obrigatório na disciplina de economia política, que então lecionava. Tratou da produção, da segurança da propriedade, da divisão do trabalho, da divisão do capital, da importância do emprego das máquinas, dos efeitos da maior produtividade da indústria, da definição de crédito, dos diferentes modos de emprego do capital e do trabalho, da origem do comércio, dos regulamentos da indústria, do valor de troca, da moeda, dos salários, do consumo, entre outros assuntos.

Discutiu impostos de importação e de exportação. Entendia que não se poderia confundir “(…) os direitos moderados de importação para o fim de criar um rendimento, com os direitos de importação para proteger um ramo de indústria nacional (…) aqueles são admissíveis, e estes inadmissíveis, por serem contrários aos verdadeiros interesses públicos”. Percebia que a tributação não carregava apenas uma natureza fiscal, de mera arrecadação. Intuía que a tributação se justificava também como fortíssimo instrumento para o desenvolvimento econômico, tese que remontava, entre nós, ao Visconde de Cairu.

José Rubino de Oliveira deixou-nos um manual de Direito Administrativo, com título pomposo. Tratou de assuntos que, à época, eram precipuamente do campo do Direito Administrativo. O livro de Rubino de Oliveira explica as fontes do Direito Administrativo, suas relações com os demais ramos do Direito, os fundamentos filosóficos da ciência da Administração, a unidade do poder público, a centralização administrativa, o papel do imperador, as atribuições dos ministros do Império, as administrações provinciais e municipais, a justiça administrativa, bem como da nacionalidade e da capacidade política dos cidadãos. Nesse último caso, a matéria seria contemporaneamente de Direito Constitucional.

Rubino de Oliveira, que lecionava em São Paulo, tratou de matéria fiscal no capítulo que dedicou ao Ministério da Fazenda. Nesse passo, tratou do patrimônio nacional, das bases da organização administrativa da Fazenda Nacional, das atribuições privativas do ministro e dos órgãos consultivos do ministério. Ao ministro da Fazenda incumbia, entre outras obrigações, tomar contas dos recebedores do erário, decidir de recursos administrativos em matéria fiscal, interpostos das decisões das tesourarias ou das chefes das repartições fiscais.

Exações e escravidão

Veiga Cabral também estudou matéria tributária em seu livro de Direito Administrativo. Preocupou-se com o Tribunal do Tesouro, a quem cabia a jurisdição especial contenciosa referente aos negócios da Fazenda Pública. Apresentou um capítulo específico sobre contribuições (ou impostos) e suas divisão, fornecendo uma classificação das receitas públicas. Nesse tópico, identificou as exações sobre a importação, os direitos de baldeação e exportação, os direitos cobrados sobre armazenagem, os direitos de exportação, as rendas do Correio e da Casa da Moeda, rendas diamantinas, as dízimas de chancelaria, e tantos outros, que de algum modo serão explicitados no presente trabalho.

Liberato de Castro Carreira deixou-nos uma extensa obra sobre as finanças e orçamento no Império. Focou as informações nas leis orçamentárias, nas quais havia previsão de receita, com muita especificação, o que permite que se conheça as fontes materiais para subvenção do erário. O autor ocupou-se da abolição da escravidão, tratando de seus aspectos fiscais, e do impacto que a escravidão, e a subsequente e tardia abolição, tiveram em relação à organização material do país.

A construção do CTN

Em uma fase posterior, temos Rui Barbosa, Clóvis Beviláqua, Francisco Campos, Bilac Pinto e trabalhos dos consultores pareceristas da Consultoria-Geral da República. Rui Barbosa foi ministro da Fazenda no governo Deodoro da Fonseca, e logo após a Proclamação da República, redigiu importante relatório, do qual se colhe o estado da arte do modelo tributário brasileiro em fins do século 19. Verifica-se, ainda, a fortíssima defesa de Rui Barbosa em favor da criação de um imposto sobre a renda.

Clóvis Beviláqua, mais conhecido como civilista, elaborou uma série de pareceres, na qualidade de consultor jurídico do Ministério das Relações Exteriores, nos quais há enfrentamento de matéria tributária relevante.

Há também importantes intervenções de Francisco Campos, jurista mais importante da era de Vargas. Vigoroso publicista, o jurista mineiro colaborou intensamente para uma compreensão de Direito Tributário predicada no interesse público. Não se pode esquecer Bilac Pinto, especialmente por sua incomensurável contribuição na fixação dos conceitos relativos à contribuição de melhoria, tema de seu mais importante livro no assunto.

O ápice dessa trajetória é a construção do CTN. Há interessantes cartas trocadas entre Rubens Gomes de Sousa (principal autor do anteprojeto) e Aliomar Baleeiro (principal prestigiador do projeto). Essas cartas nos fornecem as entrelinhas no contexto da criação do CTN. Os anteprojetos originais, as contribuições de Osvaldo Aranha (em seu relatório) e de Gilberto de Ulhoa Canto são também fundamentais.

Como uma colaboração ao debate sobre a reforma tributária tratarei em alguns números vindouros dos embargos culturais desses autores antigos, que reputo como os pais fundadores de nosso Direito Tributário. Parece-me que foi George Santayana, filósofo norte-americano nascido na Espanha, quem teria afirmado que “aqueles que não conseguem lembrar o passado estão condenados a repeti-lo”. Há outra versão, anterior, de Edmund Burke, para quem “aqueles que não conhecem a história estão condenados a repeti-la”. É o que em alguns números vindouros tentarei apresentar aos leitores.

Arnaldo Sampaio de Moraes Godoy é advogado em Brasília (Hage e Navarro), livre-docente pela USP, doutor e mestre pela PUC-SP, professor titular do mestrado e doutorado do UniCeub (Brasília) e professor visitante (Boston, Nova Délhi, Berkeley, Frankfurt, Málaga).

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